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Pesquisadores de 16 países, incluindo o Brasil, sequenciam o genoma de referência do café arábica, a espécie de café mais consumida no mundo

O pesquisador da Embrapa Café, Alan Andrade, explica que o grupo de cientistas, do qual ele participa, realizou um mapeamento genético estrutural completo do Coffea Arabica com a mais alta qualidade alcançada até hoje. “Isso nos levou ao que chamamos de genoma de referência. Em 2004, aqui no Brasil, fomos pioneiros no sequenciamento funcional do genoma da espécie arábica. Quanto ao sequenciamento estrutural, passamos a conhecer a ordem dos genes dentro das sequências de DNA e as regiões intergênicas que compõem o genoma, o que não é possível ver no sequenciamento funcional.” Assim, tornou-se mais fácil identificar genes responsáveis por características específicas das plantas de café, como resistência a doenças e seca, tamanho das frutas, aroma ou sabor.

O pesquisador Luiz Filipe Pereira, também da Embrapa Café, afirma que avanços importantes já estão sendo alcançados com base nos resultados obtidos. "Como estamos imersos nesse trabalho há anos, desenvolvemos vários estudos focados na cafeicultura brasileira usando os dados deste estudo."

Ele explicou que o genoma detalhado permite identificar variações genéticas das bases de DNA associadas a características fenotípicas, como resistência a doenças, por exemplo. “Assim, a análise do DNA das plantas permitiu selecionar rapidamente aquelas que possuem resistência, acelerando o melhoramento genético”, detalhou Pereira.

Os dados do novo sequenciamento também estão sendo aplicados no desenvolvimento de tecnologias para certificação e rastreabilidade do café. O estudo também contou com a participação da pesquisadora da Embrapa Café, Lilian Padilha, que trabalhou com a equipe do Instituto Agronômico (IAC).

Evolução do café arábica

Com os novos mapeamentos genéticos, as sequências e estruturas completas do genoma das espécies Coffea arabica, Coffea eugenioides e, novamente, Coffea canephora foram comparadas. O objetivo era revelar a evolução das espécies, o papel dos genes, o mecanismo de regulação gênica e identificar estruturas de sequências e os elementos que foram conservados ou diferenciados. A família gênica, o desenvolvimento evolutivo, a duplicação de todo o genoma e a pressão seletiva sofrida também foram analisados.

Segundo os pesquisadores, “ferramentas genômicas modernas e um entendimento detalhado da origem e história do melhoramento das variedades contemporâneas são vitais para o desenvolvimento de novas cultivares de café arábica, que são melhor adaptadas às mudanças climáticas e às práticas agrícolas.”

Eles re-sequenciaram o genoma completo de 41 acessos selvagens e cultivados desta espécie, incluindo um espécime do século XVIII usado pelo naturalista sueco Carl Linnaeus, o que forneceu uma análise aprofundada da história e das rotas de disseminação do C. arabica.

C. arabica é uma espécie poliploide, mais precisamente um alopoliploide, pois possui 44 cromossomos. É o resultado de um evento de hibridização natural entre os ancestrais do atual Coffea canephora (café robusta) e Coffea eugenioides, que possuem 22 cromossomos cada e são classificados como diploides. Tal duplicação do genoma inteiro é dada pela sigla WGD. Os cientistas tiveram dificuldade em determinar exatamente quando – e onde – esse evento de alopoliploidização ocorreu, com estimativas variando entre 10.000 e 1 milhão de anos atrás.

Através de modelagem computacional, os pesquisadores procuraram assinaturas da formação da espécie realizando análises nos genomas de C. arabica. Os modelos mostram três gargalos populacionais ao longo da história, o mais antigo dos quais ocorreu há cerca de 29.000 gerações, ou 610.000 anos atrás.

Isso sugere que o arábica se formou entre 360.000 e 610.000 anos atrás e teve sua população aumentar e diminuir em períodos de aquecimento e resfriamento da Terra por milhares de anos, antes de eventualmente ser cultivado na Etiópia e no Iêmen, e depois se espalhar pelo mundo.

Pensava-se que as plantas de café foram cultivadas pela primeira vez na Etiópia, mas as variedades coletadas pelos pesquisadores ao redor do Vale do Rift, que se estende do sudeste da África até a Ásia, mostraram uma divisão geográfica clara. As variedades selvagens no estudo têm todas origem no lado ocidental, enquanto as variedades cultivadas são todas do lado oriental, mais próximo ao estreito de Bab al-Mandab, que separa a África do Iêmen.

Isso estaria de acordo com as evidências de que o cultivo do café pode ter começado principalmente no Iêmen por volta do século XV, seguido de uma movimentação para a Índia, o que sustenta a lenda do contrabando de “sete sementes” pelo monge indiano Baba Budan por volta do ano 1600. Assim, a diversidade do café iemenita poderia ser a base para todas as principais variedades de arábica hoje.

Para os estudiosos, a poliploidia é uma força evolutiva poderosa que moldou a evolução do genoma em muitas linhagens de eucariotos, possivelmente oferecendo vantagens adaptativas em tempos de mudanças globais. No entanto, as cultivares contemporâneas de arábica descendem das linhagens Typica ou Bourbon, que têm diversidade genética particularmente baixa, são suscetíveis a muitas pragas e doenças como a ferrugem do café, e só podem ser cultivadas com sucesso em regiões limitadas do mundo.

Em 1927, um híbrido espontâneo de C. canephora, resistente ao fungo H. vastatrix, que causa a ferrugem, foi identificado na ilha de Timor. Com base no novo genoma de referência do arábica, estudos sobre plantas dessa linhagem possibilitaram identificar um novo alvo para potencialmente melhorar a resistência a patógenos como o fungo em questão. O novo sequenciamento do genoma forneceu outras descobertas, como quais variedades selvagens estão mais próximas do café arábica que é cultivado atualmente. Os cientistas também descobriram que a variedade Typica, uma cultivar holandesa antiga que se originou na Índia ou no Sri Lanka, é provavelmente a mãe da variedade Bourbon, amplamente utilizada na preparação de cafés especiais.

Na fronteira da genômica do café

Desde o início do século XIX, o Brasil lidera a produção e exportação mundial de café, presente no país há quase 300 anos. Essa liderança tem sido sustentada por extensas pesquisas relacionadas à cafeicultura, desde a criação da Seção de Café do IAC em 1923. Desde então, o país não parou de realizar estudos sobre a cultura.

Poucos anos depois, em 1929, a criação da Seção de Genética deu início aos trabalhos de genética e melhoramento do café. Desde então, dezenas de instituições começaram a realizar estudos para o setor cafeeiro ou foram criadas em torno dele, como a Embrapa Café e o Consórcio Pesquisa Café, que atualmente reúne cerca de 40 órgãos de pesquisa cujo trabalho é voltado para a cultura.

No que diz respeito ao sequenciamento genético de plantas de café, a Embrapa tem feito avanços importantes. Em 2004, Alan Andrade, Carlos Colombo (pesquisador do IAC) e Luiz Gonzaga (pesquisador do Instituto de Desenvolvimento Rural do Paraná - IAPAR) coordenaram o primeiro sequenciamento funcional do genoma do café arábica em um projeto do Consórcio Pesquisa Café financiado pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP), que também contou com a participação de Luiz Filipe Pereira e que gerou o maior banco de dados de café do mundo na época, com 200.000 sequências de DNA.

O resultado desse trabalho foi decisivo para o primeiro sequenciamento completo do Coffea canephora dez anos depois, por um consórcio internacional composto por 11 países, com significativa participação de Andrade e Pereira.

Outro sequenciamento importante de genoma foi o da broca-do-café, uma das principais pragas do café, que foi concluído em 2022 em um projeto liderado por pesquisadores da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnologia, com a participação de pesquisadores da Embrapa Agroindústria Tropical, Embrapa Café, Embrapa Cerrados, Embrapa Milho e Sorgo e da Universidade Federal de Viçosa (UFV).

As ilustrações na presente notícia estão destacadas no artigo "O genoma e a genômica populacional do alopoliploide Coffea arabica revelam a história da diversificação das cultivares modernas de café". Clique aqui para ler a publicação.

Por Rose Lane César -  Embrapa Café