Vanusia Nogueira, Diretora-executiva da BSCA (Associação Brasileira de Cafés Especiais)
Além de seu papel na BSCA, Vanucia Nogueira também é reconhecida como uma especialista no setor cafeeiro, frequentemente participando de eventos, palestras e workshops para compartilhar seu conhecimento e experiência com outros produtores, torrefadores e entusiastas do café ao redor do mundo.
Sua dedicação ao desenvolvimento da indústria de cafés especiais no Brasil tem contribuído significativamente para posicionar o país como um dos principais produtores e exportadores desse segmento, além de fortalecer a reputação dos cafés brasileiros no mercado internacional.
Gededias Nogueira: Qual a história da BSCA e quais seus objetivos?
Vanusia Nogueira: A Associação Brasileira de Cafés Especiais foi fundada em 1991, por meio de iniciativa de 12 produtores que possuíam visão além de seu tempo, já vislumbrando as oportunidades comercias que investir em qualidade traria. É uma sociedade civil sem fins lucrativos que congrega pessoas físicas e jurídicas no mercado interno e externo de cafés especiais, buscando difundir e estimular o aprimoramento técnico na produção, comercialização e industrialização desses produtos, além de promover, principalmente nas áreas cafeeiras, a preservação do meio ambiente e o desenvolvimento ambiental sustentável, através de programas, projetos e parcerias com entidades públicas ou privadas, nacionais ou estrangeiras.
A BSCA tem por finalidade, através de pesquisas, difusão de técnicas de controle de qualidade e promoção de produtos, elevar os padrões de excelência dos cafés brasileiros oferecidos ao mercado interno e externo. A entidade é a única instituição brasileira a certificar lotes e monitorar selos de controle de qualidade de cafés especiais, com rastreabilidade total através de numeração individual, que pode ser consultada pelo consumidor através do site www.bsca.com.br.
Gededias Nogueira: Quais são as vantagens para o produtor em investir em café de qualidade?
Vanusia Nogueira: É necessário recordar que os investimentos iniciais para se ingressar no nicho de cafés especiais são elevados, haja vista que, como toda atividade agrícola, está sujeito às intempéries e adversidades climáticas, e, por necessitar de grande esmero na produção, necessita de mão de obra qualificada. Entretanto, o retorno obtido é substancial e justifica cada real investido. Isso porque, apesar de se tratar de uma commodity, o café especial tem algumas vantagens na comercialização, como o contato direto entre produtores e compradores, o que gera valores médios não tão flutuantes conforme as oscilações de mercado e cerca de 40% maiores do que os preços dos cafés convencionais.
Além disso, os produtores dos cafés especiais têm um ganho natural em sua propriedade, a qual, pela necessidade imposta das exigências desse nicho de mercado, tem que ser sustentável ambiental, econômica e socialmente. Ou seja, as pessoas que ingressam nesse nicho, criam uma plataforma sólida em suas lavouras e propriedades, que são certificadas e, automaticamente, passam a ser mais valorizadas, com o mercado comprador reconhecendo esse trabalho e pagando melhores preços pelos produtos originários dessas localidades.
E todo esse contexto se enquadra em um cenário de franca expansão do mercado de cafés especiais. O produtor pesquisou, estudou e entendeu que, hoje, ingressar nesse nicho é uma das melhores formas para trabalhar na cafeicultura com rentabilidade. Por também se tratar de produções reconhecidamente certificadas, esses cafeicultores se preocupam sobremaneira com o meio ambiente e com a questão social em suas propriedades, uma tendência que praticamente vem se tornando exigência do mercado consumidor, em especial o internacional, o que estimula esses cafeicultores a investirem cada vez mais e, consequentemente, atenderem à crescente demanda. Para se ter ideia, ao passo que se registra um incremento do mercado cafeeiro mundial em torno de 1,5% a 2% ao ano, os cafés especiais vêm apresentando uma evolução na casa dos 15%.
Gededias Nogueira: O que é café de origem certificada, café gourmet, café orgânico e café fair trade?
Vanusia Nogueira: — Café de origem certificada: está relacionado às regiões de origem dos plantios, pois alguns dos atributos de qualidade do produto são inerentes à região onde a planta é cultivada.
— Café gourmet: são grãos de café arábica, com peneira superior a 16 e de alta qualidade. Trata-se de um produto diferenciado, quase isento de defeitos.
— Café orgânico: é produzido sob as regras da agricultura orgânica. O café deve ser cultivado exclusivamente com fertilizantes orgânicos e o controle de pragas e doenças deve ser feito biologicamente. Apesar de ter maior valor comercial, para ser considerado como café especial, o produto orgânico deve possuir especificações qualitativas que agreguem valor e o fortaleçam no mercado.
— Café fair trade: é consumido em países desenvolvidos por consumidores preocupados com as condições socioambientais sob as quais o café é cultivado. Nesse caso, o consumidor paga mais pelo café produzido por pequenos agricultores ou sistemas de produção sombreados, onde a cultura é associada à floresta. É muito empregado na produção de cafés especiais, pois favorece a manutenção de espécies vegetais e animais nativos.
Gededias Nogueira: O que representa para a economia brasileira o crescimento da demanda por cafés especiais e, consequentemente, da valorização desse produto no mercado?
Vanusia Nogueira: Em relação especificamente à economia nacional, o crescimento da demanda por nossos cafés especiais possibilita um aumento no número de empregos em todos os elos envolvidos (produção, comércio e indústrias) e o crescimento nas receitas obtidas pelo país com a exportação. No acumulado de 2014, os embarques brasileiros de cafés diferenciados totalizam 4.876.620 sacas de 60 kg até o final de julho, respondendo por uma fatia de 23,7% das exportações totais de café efetuadas pelo País. Já a receita cambial obtida com as remessas de cafés diferenciados soma US$ 1,082 bilhão no acumulado do ano até julho, respondendo por 31,3% do total. Com esse desempenho, o café segue como quinto principal item da pauta exportadora do agronegócio brasileiro.
Gededias Nogueira: Por que o mercado internacional ainda não reconhece a qualidade do nosso café?
Vanusia Nogueira: O mercado internacional reconhece, sim, a qualidade do café brasileiro. Há uma antiga ideia interna que nossos cafés focam em quantidade e não em qualidade e que os colombianos estão na vanguarda, mas isso é um mito. Os colombianos são muito bem aceitos no mundo porque investiram em promoção e marketing bem antes do Brasil, na década de 80, enquanto começamos a divulgar nossos cafés uma década depois.
Mas veja que interessante esses dois cenários. Em 2006, tive a oportunidade de conversar longamente com Néstor Osorio, um colombiano então diretor executivo da Organização Internacional do Café (OIC). E tive uma grande surpresa quando ele me disse que a referência para o programa Café de Colômbia teria sido o programa Café do Brasil. Isso nos conduz a pensar que tínhamos um exemplo clássico que aprendemos na administração de um líder que se acomodou e foi ultrapassado por seus seguidores.
O outro ponto é que, há poucas semanas, tive a honra de visitar na Colômbia o departamento (estado) de Huila – considerado a maior referência de qualidade do mercado de cafés especiais –, a convite do governo local e da universidade Surcolombiana. Lá, constatei que aquele que os brasileiros têm a imagem de ser a referência de marketing do segmento nos considera a referência. Eles nos veem como um exemplo bem sucedido na mostra ao mundo a qualidade de nossos cafés, que temos conseguido ser muito mais sustentáveis, temos tecnologia e ciência em café como ninguém mais, que sabemos separar e trabalhar de forma diferenciada os cafés comerciais e os cafés especiais. Ao mesmo tempo que essa informação surpreende, ela deixa bem claro que o mercado internacional reconhece a qualidade dos Cafés do Brasil. Não à toa, respondemos por cerca de 35% do market share desse mercado.
Gededias Nogueira: Quais as principais regiões brasileiras que produzem café de qualidade?
Vanusia Nogueira: É necessário recordar que todas as regiões brasileiras que cultivam a variedade arábica têm potencial para produzirem grãos especiais. Entre as 20 origens produtoras existentes no Brasil atualmente, as que mais se destacam no nicho de especiais são Sul de Minas, Indicação de Procedência Mantiqueira de Minas, Denominação de Origem Cerrado Mineiro, Matas de Minas, Chapada de Minas, Mogiana Paulista, Indicação de Procedência Norte Pioneiro do Paraná, Cerrado e Planalto da Bahia e Montanhas do Espírito Santo. Essas origens são as que, com mais frequência, estão presentes entre as que participam dos concursos Cup of Excellence
Gededias Nogueira: Recentemente o Cerrado Mineiro foi considerado área com o selo Denominação de Origem. O que isto representa e em que favorece as exportações do café especial brasileiro?
Vanusia Nogueira: Inicialmente, é válido frisar que essa conquista é o coroamento do trabalho das instituições locais e pertence a 4.500 produtores que cultivam café na região de forma diferenciada. Com esse status, o Cerrado Mineiro se nivela ao das mais nobres regiões e territórios demarcados no mundo, como o território de Bordeaux é para os vinhos, Champagne é para os espumantes, Parma é para os presuntos e queijos, territórios altamente reconhecidos pelos consumidores como regiões geradoras de produtos de altíssima qualidade e exclusividade. Assim, os cafeicultores ganham com o reconhecimento e a valorização de seu produto pelos mercados mais exigentes, bem como os consumidores, por terem na xícara um café com características únicas, com origem e qualidade garantida e controlada.
Gededias Nogueira: O que um cafeicultor que produz café de qualidade necessita para alcançar o selo de Denominação de Origem?
Vanusia Nogueira: A Denominação de Origem é caracterizada pelo nome geográfico de um país, cidade, região ou localidade de seu território e indica que um produto ou serviço possui características essencialmente relacionadas ao meio geográfico, incluídos fatores humanos e naturais, como clima, solo, relevo, altitude, etc. Para se conquistar uma DO, é preciso comprovar que o café produzido naquela Região é único, possui características que somente podem ser obtidas naquela origem. Ou seja, a somatória dos fatores naturais e humanos constituem o “saber fazer”, que deve ser exclusivo daquela origem.
Gededias Nogueira: Quais as vantagens que o produtor de café gourmets ou especiais no Brasil têm frente a outros países produtores de café de qualidade?
Vanusia Nogueira: O Brasil sobressai sobre outras origens por possuir diversos tipos de topografia e clima e produtores muito atualizados e tecnificados, possibilitando a produção de cafés com aroma e sabores que agradam a muitos mercados compradores. Além disso, contamos com um crescente trabalho de promoção internacional realizado pela BSCA em parceria com diversos órgãos governamentais, o que tem expandido o conhecimento sobre os Cafés do Brasil em todo o planeta.
Gededias Nogueira: O que é o Concurso de Qualidade Cafés do Brasil – "Cup of Excellence?
Vanusia Nogueira: O Cup of Excellence foi iniciado por um grupo de profundos conhecedores de café juntamente com o suporte de entidades do governo e organizações não governamentais (ONGs), com o objetivo de recompensar os produtores por seus esforços e trabalho destinados à qualidade. A BSCA organiza este concurso desde o ano 2000 e, atualmente, conta com a parceria da Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimentos (Apex-Brasil) e da Alliance for Coffee Excellence (ACE) na realização. O concurso é aberto a todo produtor brasileiro de café arábica, sendo uma das ações do Plano Internacional de Marketing para a Promoção dos Cafés Especiais Brasileiros proposto pela associação.
O objetivo do certame é manter uma plataforma de incentivo aos muitos países que vêm aderindo ao "Cup of Excellence" e mostrar ao mercado internacional que o Brasil produz cafés especiais de altíssima qualidade, comparáveis aos melhores do mundo, e que tais produtos podem ser vendidos a preços recordes, registrando preços mais de 3.000% superiores aos praticados na Bolsa de NY, principal plataforma comercial de café no mundo. Por fim, a intenção também é aumentar o número de participantes e a abrangência geográfica do concurso de qualidade, ampliando o número de lotes leiloados pela Internet e o número de participantes (potenciais compradores) no leilão eletrônico.
Gededias Nogueira: Qual a importância de concursos de café para promover a qualidade do produto?
Vanusia Nogueira: O júri internacional é composto por profissionais de cafeterias, casas de café, etc. dos principais compradores do mundo, os quais testam e comprovam a excepcional qualidade dos cafés especiais brasileiros. Além desses profissionais participarem do leilão de venda dos vencedores, pagando preços significativamente maiores que o mercado convencional, eles também são formadores de opinião e, ao examinarem esses excelentes cafés do Brasil, colaboram com a divulgação de nossos produtos, seja indicando em suas embalagens comerciais, seja realizando o boca a boca positivo.
Gededias Nogueira: O brasileiro ama o cafezinho, porém ainda não aprendeu a apreciar um café de qualidade. Quais os desafios para ensinar o brasileiro a gostar de café de qualidade?
Vanusia Nogueira: Esse é um desafio que vem superado paulatinamente, por meio da difusão das informações e dos conhecimentos sobre os cafés especiais. Um reflexo desse bem sucedido trabalho que temos desempenhado é a crescente produção voltada ao nicho de especiais e, principalmente, das cafeterias e das e estabelecimentos comerciais destinados à venda do produto especial. Dessa maneira, e também com o maior interesse das cooperativas de produção no setor de cafés excepcionais, entendemos que cada vez mais brasileiros consumirão produtos especiais, haja vista que quem os prova certamente quererão continuar o tomando.
Vale lembrar que, assim como os vinhos, por exemplo, os cafés especiais possuem preços mais elevados e que, para consumi-los, as pessoas devem estar dispostas a pagar um pouco mais por eles.
Foto: Felipe Gombossy/ Café Editora