Embrapa valida diretrizes técnicas para produção de Carne Bovina de Baixo Carbono (CBC)
Os resultados da avaliação dos parâmetros técnicos para o protocolo de CBC para dois ciclos de produção no bioma Cerrado na Bahia incluem sistemas de criação de gado sem a presença de árvores nas pastagens, mas com o potencial de mitigar as emissões de GEE com base na adoção de boas práticas agrícolas, envolvendo o solo, as pastagens e os componentes animais.
Oito parâmetros técnicos foram avaliados durante os dois anos de validação do protocolo de CBC: densidade do solo, estoque de carbono e qualidade do solo, disponibilidade de forragem e cobertura do solo, ganho médio diário de peso animal, ganho de peso por área animal e emissões entéricas. Tais parâmetros estão incluídos nos requisitos obrigatórios propostos pelo Protocolo de CBC ao lado dos requisitos da legislação trabalhista e ambiental.
De acordo com a pesquisadora que coordenou a validação das diretrizes para a produção de CBC, Márcia Silveira, que na época trabalhava na Embrapa Pecuária Sul (Bagé, RS) e atualmente está na Embrapa Milho e Sorgo (Sete Lagoas, MG), os resultados mostram que a implementação do protocolo garante rendimento e qualidade da carne, de forma a aumentar a lucratividade sem abrir mão da manutenção ou aumento dos estoques de carbono do solo e da mitigação das emissões de GEE, além dos efeitos de economia de terra, ou seja, quando há menos pressão sobre a vegetação nativa. "É mais um passo em direção à eficiência produtiva que considera a qualidade do produto e seu ambiente de produção", diz Silveira.
Marcas como CBC e CNB foram desenvolvidas sob os auspícios da Plataforma de Pecuária de Baixo Carbono, que visa agregar valor aos produtos animais produzidos em sistemas mais eficientes com menos impacto ambiental. As diretrizes técnicas para produzir Carne Bovina de Baixo Carbono foram lançadas em 2020, e estão alinhadas com o Plano ABC+ de Agricultura de Baixo Carbono. Tais parâmetros precisavam de validação em um ambiente de produção comercial antes que o protocolo fosse disponibilizado para adesão voluntária pelos pecuaristas. "Nesse sentido, a validação conduzida pela Embrapa se tornará um modelo para a certificação de CBC em fazendas de gado de corte que desejam produzir carne dentro desse escopo", diz Roberto Giolo, pesquisador da Embrapa Pecuária de Corte e líder da Plataforma de Pecuária de Baixo Carbono.
Projeto Trijunção
O estudo de caso foi realizado na Fazenda Santa Luzia, pertencente à Fazenda Trijunção, localizada entre as cidades de Cocos e Jaborandi, na Bahia. O nome da fazenda, trijunção, refere-se ao ponto vizinho onde as fronteiras dos estados da Bahia, Goiás e Minas Gerais se encontram. A propriedade é uma referência na produção de gado de corte por meio de Boas Práticas Agrícolas (BPA), com dados sequenciais estruturados para todo o sistema de produção. Esta etapa de validação das diretrizes técnicas durou de maio de 2019 a setembro de 2021, totalizando dois ciclos completos de avaliações da produção animal no sistema.
A Unidade de Referência Tecnológica (URT) compreendia duas parcelas, bem como uma área de vegetação nativa (Cerrado). A primeira parcela contendo a gramínea forrageira Brachiaria brizantha cv. Marandu, tinha 115 hectares divididos em quatro piquetes, representando o manejo convencional. A segunda parcela, de pastagens recuperadas com Brachiaria brizantha cv. BRS Piatã tinha 85 hectares, também divididos em quatro piquetes e geridos de acordo com as diretrizes técnicas para a produção de CBC. As áreas foram usadas para criar e terminar touros Nelore.
Este estudo faz parte de um projeto coordenado pela pesquisadora Flávia Santos (à esquerda, na foto com Márcia Silveira), também da Embrapa Milho e Sorgo, intitulado: “Intensificação agrícola voltada para a sustentabilidade do uso de solos arenosos – Projeto Trijunção”. As diretrizes resultantes dos estudos contribuem para o objetivo principal de definir a melhor estratégia de intensificação agrícola com base em sistemas de produção sustentáveis para solos arenosos.
Santos considera que a importância de trabalhar em solos arenosos reside no fato de que correspondem a cerca de 20% da área do Matopiba, que é a última fronteira agrícola do país. "No entanto, como esses solos têm uma mistura arenosa, em que os teores de argila são inferiores a 15% nos primeiros 50 cm de profundidade, existem várias limitações: baixos níveis de matéria orgânica, baixa CTC (capacidade de troca de cátions), baixa retenção de água, fraca estruturação, alta acidez, baixa fertilidade, entre outros", aponta a pesquisadora.
"Portanto, o manejo adequado desses solos é um grande desafio e deve se concentrar na construção de fertilidade em profundidade, aumento de matéria orgânica, cobertura do solo, rotação de culturas e consórcios, produção integrada, etc., fatores fundamentais para sua incorporação sustentável ao processo produtivo. Nesse sentido, sistemas integrados são alternativas de manejo viáveis, e as diretrizes técnicas apresentadas estão perfeitamente alinhadas com esse propósito", conclui Santos.
A validação das Diretrizes de CBC foi dividida em estudos sobre os componentes do solo, da forragem e animal, envolvendo desempenho e emissões entéricas, além da avaliação econômica dos resultados da unidade de referência. Para tanto, envolveu uma equipe multidisciplinar da Embrapa Pecuária Sul, Embrapa Milho e Sorgo, Embrapa Pecuária de Corte, Embrapa Cerrados e Embrapa Cocais.
Resultados em Números
A pesquisadora Flávia Santos destaca que os dados do componente do solo mostraram que os teores de nutrientes permaneceram mais elevados no CBC do que no manejo convencional, bem como em comparação com o Cerrado, assim como a atividade biológica avaliada por meio das enzimas beta-glucosidase e arilsulfatase.
"Considerando a camada de 0-20 cm de solo em 2019, o estoque de carbono no solo sob o protocolo de CBC foi maior do que no solo do Cerrado (um adicional de 5,4 toneladas por hectare), e em 2021 foi maior do que no manejo convencional (um adicional de 2,5 toneladas por hectare), diferença que não foi observada na camada de 0-40 cm de solo. Mas devido à textura arenosa, onde não há proteção física para a matéria orgânica por partículas do solo, o acúmulo de matéria orgânica e estoque de carbono é mais difícil e demorado", relata Santos.
Como destacam os pesquisadores Manoel Ricardo, da Embrapa Milho e Sorgo, e Manuel Macedo, da Embrapa Pecuária de Corte, “esses resultados mostram que, em solos arenosos, é necessário monitorar a fertilidade, densidade e estoques de C com mais frequência, pois seu baixo teor de argila, menor proteção da matéria orgânica e fraca estrutura física também levam a variações mais frequentes em suas características”.
"No que diz respeito ao componente da forragem, a massa de forragem (quilograma por hectare, kg/ha, de matéria seca – MS) e a cobertura do solo (%) foram maiores no tratamento de CBC em comparação com o tratamento convencional, apresentando números acima de 2.000 kg/ha de MS e cobertura do solo acima de 80%, conforme recomendado nas diretrizes de CBC", observa a pesquisadora Márcia Silveira.
Quanto ao desempenho animal, os ganhos médios diários de peso por animal foram semelhantes entre os tratamentos, com ganhos médios diários (GMDs) de 440 gramas por dia (g/dia) e 404 g/dia no CBC, nos primeiros e segundo ciclos avaliados, e 430 g/dia e 375 g/dia no manejo convencional, nos primeiros e segundo ciclos avaliados. No entanto, Silveira destaca que no tratamento de CBC foram registrados maiores ganhos por área em vista da possibilidade de trabalhar com taxas de lotação mais altas, neste caso, 2,33 e 2,77 unidades animais por hectare (UA/ha) nos dois ciclos de avaliação de CBC e 0,89 e 0,70 UA/ha nos dois ciclos de manejo convencional. Esses maiores ganhos por área não aumentaram a intensidade das emissões de metano entérico.
Do ponto de vista econômico, as análises mostraram que o CBC tem maior rentabilidade do que o manejo convencional devido ao maior rendimento por área ao longo do período analisado e, na segunda colheita, à possibilidade de os animais de CBC atingirem o peso mínimo para confinamento e subsequente abate. "Os resultados indicam assim que a implementação do protocolo de CBC proporciona maior rendimento por área de carne, com aumento da rentabilidade", afirma Mariana Aragão, pesquisadora da Embrapa Pecuária de Corte.
"Do ponto de vista ambiental, o sistema de produção de CBC proporcionou boa cobertura do solo, o que impactou na manutenção do estoque de carbono e na mitigação das emissões de gases de efeito estufa, além de promover um efeito de economia de terra e resiliência no sistema de produção", acrescenta Giolo.
Marcas Conceituais
A Plataforma de Pecuária de Baixo Carbono é uma iniciativa genuinamente brasileira desenvolvida pela Embrapa e empresas parceiras. Ao longo de mais de dez anos, a iniciativa aproximou o design da marca conceitual da realidade do pecuarista. "As marcas conceituais incorporam a ciência, seguem padrões internacionais e estão associadas a um processo de certificação – monitoramento, relato e verificação", observa Giolo.
Também segundo Giolo, as marcas CNB e CBC visam à sustentabilidade dos sistemas agrícolas. Criado entre 2012 e 2020, o CNB pode ser utilizado em sistemas de criação de gado com árvores (por exemplo, sistemas silvipastoris e agrossilvipastoris), sendo o componente florestal responsável pela sequestro de carbono para compensar as emissões dos animais em pastejo. No Brasil, o protocolo CNB tem potencial para ser aplicado em entre dois e dez milhões de hectares.
Por sua vez, a marca CBC está associada a sistemas de criação de gado sem a presença de árvores, que, com base em boas práticas agrícolas envolvendo a recuperação e o manejo correto das pastagens em um sistema integrado de lavoura-pecuária, promovem o aumento do estoque de carbono no solo, mitigando as emissões de GEE do sistema. Estima-se que as pastagens armazenem de 20% a 30% do carbono do solo do mundo e tenham o potencial de sequestrar carbono por meio do manejo aprimorado do sistema de produção animal baseado em pastagens, trazendo benefícios significativos para a sustentabilidade ambiental, pois ocupam grandes áreas. Nesse sentido, estudos indicam que o manejo correto das pastagens pode ser considerado a segunda tecnologia agrícola mais importante para a mitigação das mudanças climáticas globais.
Lançamento do Protocolo CBC
Para entrar em vigor, o Protocolo CBC estará disponível ao público na plataforma de rastreabilidade animal Agri Trace da Confederação Nacional da Agricultura (CNA) em 2024. Para aderir à certificação, os agricultores devem demonstrar na auditoria inicial que a propriedade cumpre 20 requisitos mínimos obrigatórios para a implementação do sistema, de um total de 67 que serão exigidos progressivamente ao longo de auditorias bienais. O protocolo completo estará disponível apenas para os agricultores que aderirem à plataforma. O compromisso com o protocolo CBC é voluntário, assim como o protocolo CNB. O objetivo da criação da marca conceitual é possibilitar a valorização de sistemas de criação de gado que tenham potencial para mitigar as emissões de gases de efeito estufa.
Felipe Rosa - Foto: Márcia Silveira
Embrapa Pecuária Sul